segunda-feira, 28 de maio de 2012

Respeite o fim

Eu sei que fui embora sem prestar contas e sem explicações. Mas, nessas horas de adeus, existe jeito de falar algo sem correr o risco de parecer clichê? Se restam momentos que mereçam ser lembrados, por que então não nos poupar dessas medidas frágeis e desesperadas que tentam reaver - pela metade - o que já foi inteiro? Eu apenas me permiti ir. E hoje, quando penso em tudo, sinto-me estranhamente em paz por não ter nos reduzido à um final como todos os outros: chinfrim, abarrotado de retalhos, desculpas, remendos e improvisos. Não gosto de improvisos. Me dê o estrago, sabe. Eu prefiro! E varrerei os escombros para poder reconstruir(me), honestamente, do zero.


sábado, 26 de maio de 2012

O Ás do Poder


É tudo expectativa, meu amigo. E somente ela que ainda move esse batalhão de desiludidos. Dê-lhes pão e água e de tão cegos e famintos, se locupletarão de comida e sequer olharão para você. Então, diga-me: por que lhes dará pão, se pão alimenta, as farão fortes e independentes de você? Pare de ser reles e tonto que só a gratidão alheia não encherá seus bolsos, meu rapaz. E foi por isso que veio até mim, não? Para ser egoisticamente próspero! Essas babugens líricas de amor, gratidão e perdão causam-me aneurismas! Mas até que lhes serão úteis, pois lhes servirão como um belo gancho na hora de dar o bote. - Mostre à todos que és o criador da felicidade sem fim, o criador da solução de todos os seus problemas - sejam financeiros, amorosos ou psicológicos - e se derramarão por você. As pessoas são facilmente traídas por suas necessidades mais urgentes, então aprenda a descobrir quais são elas. Sonde-as, meu rapaz. Sonde-as feito uma raposa. 

Não se fie em um único sentimento. Use, abuse de todos em prol de um só: a expectativa. Amor gera expectativas de amar. Dinheiro gera expectativa de ser rico. Prometa-lhes então o mundo dos quais sonham. Não é necessário deter a solução na mãos... Ora! Poupe-me! Só um tolo desmedido faria isso. Se tens tu boca e lábia, é o bastante para criar desde o mais profundo calabouço, até mais límpido e vívido paraíso. Não seja, portanto, o rei do amor e nem do amar. Nem do dinheiro e nem da riqueza. Defina qual é o seu público e seja o rei das expectativas. É uma fórmula concisa e hermética. Não há como falhar. 

Invista no teu show e na sua figura, entretanto. Te lembras daquele clichê de que imagem é tudo? Pois é, meu querido pilantra: é a mais pura verdade. Pode abusar do lustra sapatos e do gel se o que quiser parecer for um modelinho de sobriedade e correção. Mas saiba, porém, que só se consegue o respeito imediato através de dois modos: pelo terror ou pela mais absoluta excentricidade. E olhando assim para ti, menino franzino, penso que não aterrorizarias nem um inseto! Desaconselho-te então, a ir pela primeira alternativa. No mais, o terror é um meio falho e que pode deixar brechas pelo caminho já que o seu excesso termina por cultivar o ódio encubado das pessoas... E olha, digo-te com a experiência que me foi conferida nestes compridos anos de malandro: não há nada mais destrutivo do que ódio em formol.

Ao invés disso, experimente ser uma ilustre e heterogênea criatura. Uma figura mais caricata e volúvel. Multifacetada, misteriosa ou até mesmo lúdica! Um mágico! Crie o seu próprio mago interior e assuma os seus trejeitos e movimentos sempre tão célebres e fascinantes. Solte faíscas! Reverbere discursos vazios, com frases soltas e cheias de emblema e isso ajudará a manter a sua aura de imprevisibilidade e encantamento. Pinte o seu rosto de vez em quando! Seja um palhaço acrobático e finja despencar lá do picadeiro; mas caia de pé, arrancando flamejantes aplausos dos homens e suspiros secretos dos narizinhos de suas mulheres... Porque as pessoas, em seus íntimos todos iguais, amam tragédias onde no final tudo termina em superação. Mas são terminantemente repelidas pelas fatais. 

Não se deixe morrer, portanto. Não se deixe ser pego. A vala do esquecimento total fica exatamente abaixo da cordinha fina do sucesso. Mas suma, se for preciso e se assim você próprio decidir. Suma, se precisar reavaliar os cálculos. Suma, se precisar do plano “b”. Mas é importante lembrar que ao evaporar deves deixar a névoa da tua fumaça pairando por todo o ar, desnorteando e encantando à todos. E dance, se for preciso! E sapateie! E faça o teu público rir! Cante, meu amigo! Jogue “vivas” para o céu. Decore o teu show! Jogue serpentinas, confetes, plumas, bolas de sabão e as pobres lebres ficarão tão tontas e entorpecidas pelo belo e mágico, que não notarão o exato momento em que teu comparsa furtar os seus bolsos, enquanto tu arrancas o mais gentil e genuíno apreço de suas almas.  

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Eis aqui

Há uma dúvida que me suspende justamente por ser óbvia: sou eu quem transforma você em palavras ou é você que enxerga nas minhas palavras, a si? Talvez as duas hipóteses sejam verdadeiras, posto que nem os meus dedos e nem os teus olhos estejam equivocados. Penso que há um escambo de alma nessa vida, que permite que cada pessoa deixe um pouco dela e leve um pouco da gente. Ou melhor dizendo, cada pessoa com a qual nos deixamos estabelecer esse contato tão íntimo. 

É verdade que a vibração contida na ligação invisível é muito mais autêntica do que aquela onde só existe o tato físico. É um fato. Mas você há de convir que o olhar real é decisivo e implacável, pois é justo através dele que se confirma ou desmente tudo o que imaginamos. Muito embora, é claro, eu não negue o meu sabor por devaneios e pelos momentos onde dou-me ao luxo em optar somente por eles. - Artifício meu para encobrir as feiuras deste mundo ou não, é assim que estou viva até hoje: fazendo da minha existência, vez ou outra, algo um pouco mais lúdico e belo.

No mais, se quer saber, acabo de esboçar um sorriso. É porque penso na ironia e sensibilidade do tempo, que fez nascer essa nossa troca de impressões. E que molda tudo tão lento e tão certo... É. Deve ser devagar mesmo, que se anda. Que coisa, não?

sábado, 19 de maio de 2012

Do lado de cá

Quase todos os dias é da mesma forma. O sol vai invadindo as frestas da cortina e escorrega sorrateiro até os meus olhos. A claridade obriga-me a abri-los e a olhar em volta: cortina, parede, cômoda, despertador, armários, a carteira de cigarros pela metade. Tudo muito sólido, palpável, real, sem magia e sem você. 
Nunca soube ao certo como te dizer isso, mas não está tudo bem. Não vou pedir arrego, entretanto. Me recuso, cheia de birra, a estender bandeira branca. Torço para que as coisas aconteçam logo, tento sem sucesso aplacar a ansiedade que se instalou de moradia fixa aqui no meu peito; vivo cheia de planos e idéias infalíveis, mas quase nunca as ponho em prática. Não é medo. Dessa vez, não é não. É que eu tenho este hábito mesmo. Alguma parte de mim acredita que numa terça-feira cinzenta e chuvosa, uma carta seria jogada despretensiosamente debaixo da minha porta e nela, estaria escrita toda uma verdade que mudaria a minha vida para sempre. Um pedido de desculpas, talvez. Ou o trecho do meu verso favorito, aquele que você sabe qual é: o de Vinícius! Mas por outro lado, qual alma deste século perderia tempo com selos e cartas? Quem cansaria as mãos destrinchando palavras carregadas de um romantismo que há muito se esvaiu? Sendo assim, esquece. Ignora. Ignora tudo o que eu disse. Foi tudo culpa dessa minha mania incorrigível de esperar milagres soltos pelo vento.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sem entrelinhas

Tudo o que é pensado à distância, desobedece as proporções da realidade, esbarra nas ilusões da gente e nos trai. Portanto: chegue perto, chegue junto, toca aqui na minha mão, olha aqui o meu sorriso... Eles sim, são reais. Eles carregam histórias, vivências, perdas, danos, paixões, alegrias, alguns poucos sucessos... Diga-me: dá pra sentir isso daí, de longe? Dá não. 
Seu diagnóstico é falho se, então, nunca teve acesso à mim. 

Sua sensibilidade, crua e sóbria, não é o bastante para captar a minha. Entende? Como deseja saber o que se passa dentro de uma casa, se nem ao menos tens a chave? - Apenas supondo, fantasiando, mas nunca de fato sabendo. - Se a curiosidade atiça, então nada mais simples e honesto do que bater na porta. Abrirei se vier em paz. Sou cortês e sutil, já foi-se o tempo em que eu precisava mostrar ao mundo a minha ferocidade. Já acabou a época de impactar as pessoas por um excesso de autoconfiança hipócrita, e que talvez não exista em ninguém. Eu sou do bem.

Se te observo é porque também gosto de me olhar no espelho. Tens todo um método e nunca percebeste o meu fraco narcisista? Me agrada contemplar a mim. Que verdade há, senão essa? A de que somos um quase-reflexo! Não observa a mim também? Não me analisa? Não se horroriza com os meus defeitos e me odeia ainda mais, pois vários deles também são seus? Quando há identificações, criam-se elos mesmo sem querer. E é só. É tudo.

domingo, 13 de maio de 2012

Sincera contradição

Guardo mistérios, mas sou impaciente e impetuosa. Tenho sim os meus segredos, mas no fundo desejo que eles lhes sejam escancarados. Torço para que você os desvende, para que depois não sobre nada além de uma verdade desnuda e sincera pra gente viver... E não. Não há tédio nenhum na clareza! Não há rotina só porque as manias mais íntimas já foram expostas. O que há é só um monte de gente sugestionada a crer nisso. Gente que ignoro. Não sabem do deleite que a intimidade e franqueza compartilhadas também podem trazer. 
Então, é isso. Estou toda aqui. Sou a mesma, a de sempre, a "velha eu". Sei que te encaro sem desvios e sei que intimido. Te olho mesmo sem pausas, com força, cólera, mas é tudo ansiedade para que você me decifre de uma vez. Porque te quero interminável, terreno vasto, fértil e meu. Te quero cúmplice, mas teimo em achar que cumplicidade só há, quando é fácil de ler o que diz o silêncio dos olhos.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Memórias de segunda mão

Eu vasculho nas lembranças algo que se aproxime de um momento conclusivo e inteiro, mas tudo o que encontro são metades espatifadas. Não sei se essas recordações partidas foram fruto de alguma lombada que encontrei pela estrada - onde acabei sacolejando tudo aqui dentro -, ou se na verdade elas nunca foram mesmo muito resistentes aos percalços do caminho. Sabe como é, um pouco fajutas, dessas que não aguentam o tranco da vida. O engraçado é que memórias como essas apesar de corrompidas, são as mais perigosas. Um fio de cuidado a menos e os cacos que restaram, ferem você.



Ir e vir do infinito

Sofro mudanças a cada segundo e nesse mesmo ritmo, cada pouquinho da minha vida se esgota. Os meus olhos de milésimos atrás já não são mais os mesmos. Eles têm um curiosidade, uma esperteza, uma vivência ou talvez uma sensibilidade a mais. É uma bobagem, portanto, pensar que tudo permanece estático.