segunda-feira, 25 de junho de 2012

Folia

O verbo me abandonou. Sobraram-me apenas os gestos, a respiração e esse coração que bate e arde. Só restou a minha humanidade e todo esse conjunto de órgãos e trejeitos que fazem de mim, mais eu. Na falta da fala, valho-me é da expressão do meu olhar, aparentando estar perdido no cenário de um dia nublado qualquer, mas dizendo milhões de coisas contidas e suspensas entre o negro da minha pupila e a cor cinza do céu.
Na falta de alguma frase exata que descreva os sentimentos, eu me valho é da expressão do corpo; e danço! E ainda que você não possa ver, saiba que sim, eu danço! Rodopio os meus pés sobre o piso frio 
da minha sala sem mobília e girando-girando eu vou me deliciando com o meu corpo, que grita o que as palavras escritas e faladas teimam em não mais dizer. Acompanho o ritmo calado de um som inaudível; invento a minha própria canção e assim dou coreografia ao meu contentamento. Danço! Danço em culto à chegada de tantas novas convicções, e planos, e descobertas, e coincidências. Danço para compensar a minha boba incapacidade de dar um nome à essa sincronia de felizes acasos, que de tão rara nessa vida de clichês, me emudeceu.


sábado, 16 de junho de 2012

Bagagem pouca é bobagem


Após toda a briga, o seu celular na caixa postal durante dois dias ainda não havia me feito perder a sanidade. Mas já no terceiro, uma intuição amarga me dizia que algo estava muito errado.
O medo fez guiar as minhas pernas até seu prédio e me deparo com o porteiro dizendo que a última vez que lhe viu foi há pouco tempo, carregando umas três malas até o táxi... Gelei. 
"Três malas!" Ri aquele riso de desespero que vem acompanhado da voz falhada e dos olhos cheios d'água. Torno a discar seu número. Dessa vez chama. Você atende. Atrapalhada, eu digo a primeira assertiva descabida em que penso: "Três malas! É tão típico seu. Você nunca consegue ser objetivo, não é? Insiste em querer carregar a vida inteira para todos os cantos em que vai!" Desligo. Me arrependo. Não devia ter dito nada. Merda. Mais sensato ter silenciado, me calado, fingido que nem vim aqui. O porteiro me olha me de viés e pergunta se estou bem. Devo estar com aquela cara de angústia, feito a de quem acaba de perder o último vôo. Disfarço, digo que estou legal e rumo portão afora. Ele não acredita, pois ainda o vejo me olhar torto de dentro da guarita, enquanto eu tento rapidamente enfiar a chave na porta do carro.

Encenei uma cara lavada, me despi de compaixão e disse: "vá". E você foi. Mas e se eu tivesse dito que não, faria alguma diferença? Valeria a pena escancarar o meu lado frágil só para levantar o seu ego, se depois eu fosse obrigada a te ver partir mesmo assim? Seria melhor se você nunca tivesse inventado essa necessidade repentina e idiota de respirar outros ares, assim você não teria me escandalizado com o seu desapego tão barato e eu não teria te ferido com o meu orgulho excessivo. Bem como pela porta eu não sairia - decidida por fora e corrompida por dentro - te deixando sentado na beira da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos na testa, fazendo um esforço desumano pra não chorar. Quem sabe até nós não tivéssemos descido rumo à tal padaria da Alameda dos Sombreiros e pedido dois cafés: o seu sem açúcar, já o meu com uma colherzinha-de-nada. Jogaríamos papo fora, depois voltaríamos ao seu apartamento e faríamos amor no chão da sala. E tudo estaria bem, certo?

Mas você foi, droga. E eu sinto meu peito contrair enquanto dou voltas inúteis com o carro pelo quarteirão da minha casa, agora. E me impressiono com a rapidez com que eu oscilo entre a minha absolvição e a minha culpa diante dessa história. E estaciono na garagem. E pego o elevador com o pretexto de tomar um banho e vestir uma roupa mais digna, sabendo que eu acabaria aboletada na cama com os trapos do corpo mesmo, ouvindo Wish You Were Here no volume máximo. E subo. E abro a porta. E então vejo duas malas em pé; depois uma outra, aberta e vazia no chão; depois você, no sofá, com o sorriso mais lindo e cretino que existe.

- Arruma a bagagem e se apronta, amor. Porque eu tenho essa necessidade absurda de carregar a minha vida inteira para qualquer canto em que eu vá.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Terra, fogo e signos


Até me agrada a calma que você transpassa. Até me instiga esse seu jeito de olhar manso e fazer tudo devagarzinho, como quem não quer perder nenhum detalhe; como quem não quer abrir mão. Possessivo que só, eu sei. Ou seria excessivo? Os dois, talvez! Você quer muito e quer tudo. E eu... eu quero o tudo e o muito, mas acontece que eu quero logo.



sexta-feira, 8 de junho de 2012

Essência


Quem dera parar de respirar agora
Estagnar o meu conjunto interno
E fazer do pensamento
A única extensão viva de mim.

Eu seria puro sentimento

Emoção sem corpo
E pousaria nas almas brutas
Pra lhes mostrar o que é sentir.